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Diretora da EBC pede demissão e expõe crise interna: ‘Estatal virou estorvo para o governo’”

Sabrina, servidora de carreira do governo do Distrito Federal e com passagem pelo Ministério da Saúde, ocupava o cargo há dois anos e decidiu deixar a função por, segundo ela, não conseguir mais defender a permanência num projeto “que parte importante do governo não deseja que se desenvolva”.

Diretora da EBC pede demissão e expõe crise interna: ‘Estatal virou estorvo para o governo’”
Diretora da EBC pede demissão e expõe crise interna: ‘Estatal virou estorvo para o governo’” (Foto: Reprodução)


A Empresa Brasil de Comunicação (EBC), estatal responsável pela comunicação pública federal, vive mais um momento delicado. Nesta quinta-feira (5), a diretora de Administração, Finanças e Pessoas, Sabrina Soares, pediu demissão em uma carta severa enviada ao ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), Sidônio Palmeira, com cópia para Jean Lima, presidente da estatal.

Sabrina, servidora de carreira do governo do Distrito Federal e com passagem pelo Ministério da Saúde, ocupava o cargo há dois anos e decidiu deixar a função por, segundo ela, não conseguir mais defender a permanência num projeto “que parte importante do governo não deseja que se desenvolva”.

A carta rapidamente circulou entre os funcionários da EBC, onde foi interpretada como uma denúncia pública da falta de estrutura e apoio político. “Percebendo que os problemas orçamentários se agravarão diante das agendas presidenciais cada vez mais frequentes e pelas urgências de manutenção das estruturas e equipamentos da empresa, e sabendo ainda que tenho profissionalmente muito a perder empenhando minha reputação profissional (…) peço a minha exoneração”, afirma a diretora na parte final do documento.

EBC vista como “estorvo”

Sabrina revela que, nos bastidores, a EBC passou a ser tratada por integrantes do próprio governo como um “estorvo”, o que dificultou o trabalho de toda a diretoria. “Tentamos manter as conquistas da empresa, mesmo sem aceno de apoio, mas sim de desconfiança permanente”, escreve ela.

De acordo com a ex-diretora, não houve suporte da Secom nas tentativas da estatal de conseguir reforço financeiro. A falta de apoio culminou no acúmulo de demandas e despesas que, segundo ela, foram irresponsavelmente priorizadas pela cúpula da comunicação do governo.

Despesas criticadas: Série B, novela estrangeira e viagens presidenciais

Sabrina lista algumas decisões estratégicas que considera erradas e onerosas, como a aquisição dos direitos de transmissão da Série B do Campeonato Brasileiro, “mesmo após meus protestos e alertas”. Ela também menciona a compra de uma novela estrangeira como exemplo de gasto mal justificado.

Outro ponto levantado por ela é o alto custo das coberturas jornalísticas das viagens do presidente Lula, cujas agendas internacionais teriam elevado os gastos da EBC em 50%. “O deslocamento das equipes para acompanhar o presidente, que já está em sua 50ª viagem ao exterior neste mandato, pesa no orçamento e compromete outras áreas essenciais da empresa”, aponta.

A criação da TV Brasil Internacional, voltada ao público externo, também é criticada na carta. Para sua implementação, segundo Sabrina, foi necessário contratar profissionais terceirizados e investir em novas tecnologias, sem qualquer planejamento financeiro claro ou reforço de verbas.

Reações dentro e fora da EBC

A saída de Sabrina causou forte repercussão interna. Servidores da EBC ouvidos reservadamente afirmaram que a diretora vinha tentando, há meses, equilibrar as contas e manter os compromissos da estatal, apesar do descaso do governo.

Sindicatos da área de comunicação e entidades como a Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) já começaram a se manifestar. Em nota, a entidade lamentou a demissão e pediu uma “reavaliação urgente” da política de comunicação pública do governo. “A EBC cumpre um papel fundamental para a democracia, e seu enfraquecimento interessa apenas a quem não quer transparência nem pluralidade na mídia brasileira”, afirma a federação.

Parlamentares da oposição também se pronunciaram. O deputado federal Marcel van Hattem (NOVO-RS) compartilhou a notícia em suas redes sociais com críticas ao governo. “Nem os próprios técnicos do governo aguentam mais a má gestão de Lula e seus gastos descontrolados. A comunicação pública virou balcão de vaidades políticas”, escreveu.

Por outro lado, lideranças governistas ainda não se manifestaram publicamente. Procuradas, a Secom e a presidência da EBC não responderam aos questionamentos até o fechamento desta matéria.

Histórico da EBC: entre autonomia e disputas políticas

Criada em 2007, durante o segundo governo Lula, a EBC nasceu com o objetivo de garantir comunicação pública, plural, independente e com prestação de contas à sociedade. Suas principais marcas são a TV Brasil, a Rádio Nacional e a Agência Brasil.

Desde sua fundação, no entanto, a estatal passou por diversas crises, especialmente em momentos de troca de governo. Durante o governo de Jair Bolsonaro, por exemplo, houve tentativas de extinguir a EBC ou transformá-la em mero veículo institucional.

O modelo da EBC, que deveria ser gerido por um Conselho Curador com representantes da sociedade civil, perdeu força ao longo dos anos, com demissões de jornalistas críticos e aumento da influência do Planalto nas decisões editoriais.

A volta de Lula ao poder trouxe a expectativa de fortalecimento da comunicação pública, mas a gestão Sidônio Palmeira na Secom tem sido marcada por críticas à centralização da comunicação nas mãos do governo e por denúncias de aparelhamento político.

Possíveis desdobramentos

A demissão de Sabrina Soares pode desencadear uma nova fase de instabilidade na EBC. Nos bastidores, especula-se que outros diretores também estejam insatisfeitos com a condução da empresa e podem seguir o mesmo caminho.

Além disso, parlamentares da oposição já planejam convocar Sidônio Palmeira para prestar esclarecimentos na Câmara dos Deputados. “Queremos entender por que há tanto investimento em propaganda internacional e tão pouco apoio à estrutura pública de comunicação que deveria servir ao cidadão brasileiro”, disse o deputado Luiz Lima (PL-RJ).

Analistas ouvidos por veículos especializados afirmam que, se o governo não mudar o rumo, a EBC corre o risco de entrar em colapso operacional. “Sem apoio técnico, financeiro e político, a estatal se torna inviável. É uma questão de tempo”, afirmou um ex-diretor da empresa, sob anonimato.

Conclusão

A carta de demissão de Sabrina Soares joga luz sobre uma crise silenciosa, mas profunda, que se arrasta nos bastidores da comunicação pública federal. Com críticas abertas à gestão Sidônio Palmeira, acusações de abandono e denúncias sobre gastos injustificados, a saída da diretora pode ser o estopim de um processo de esvaziamento da EBC — ou um chamado urgente à reconstrução de sua credibilidade e relevância institucional.

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