BBC pressiona Lula: presidente confessa que nunca tentou telefonar para Trump
O petista afirmou que as razões apresentadas por Trump não são comerciais, mas “eminentemente políticas”, vinculadas a “um processo político do Bolsonaro”. Lula lamentou
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) enfrentou uma saia justa em entrevista concedida à BBC, na última quarta-feira (17), no Palácio do Planalto. O motivo? Foi questionado nada menos que seis vezes sobre por que não pegou o telefone para ligar a Donald Trump, atual presidente dos Estados Unidos, a fim de negociar o polêmico tarifaço de 50% contra o Brasil. Em todas as tentativas da repórter, Lula se esquivou e deu a mesma resposta curta: “eles não querem conversar”.
O petista afirmou que as razões apresentadas por Trump não são comerciais, mas “eminentemente políticas”, vinculadas a “um processo político do Bolsonaro”. Lula lamentou:
“Trump tomou a atitude em função de um processo político do Bolsonaro, o que eu lamento profundamente… que um presidente de um outro país não leve em conta a necessidade de respeitar a soberania do outro país, inclusive de respeitar o Poder Judiciário e a Suprema Corte de um outro país. Nós ainda vamos ter que esperar muito para ver o que vai acontecer.”
Ele chegou a prever que os próprios EUA sofrerão as consequências: “a inflação vai crescer, porque o povo americano vai pagar pelos equívocos que o presidente Trump está tendo na relação com o Brasil”.
A PRESSÃO DA BBC
A jornalista Ione Wells insistiu: se o presidente acredita no diálogo, por que não ligar diretamente para Trump? Lula repetiu: “Porque eles não querem conversar”.
Quando a repórter retrucou que Trump havia dito que Lula poderia ligar “a qualquer momento”, o petista reforçou:
“Eles não querem conversar. Eu estou dizendo há quatro meses que estamos dispostos a conversar.”
Lula ainda revelou que soube da medida pela imprensa brasileira, sem aviso formal de Washington:
“Ele publicou no portal dele [as tarifas], e eu fiquei sabendo pelos jornais aqui no Brasil. Eu tenho o meu ministro da Fazenda [Fernando Haddad], eu tenho o meu ministro da Indústria e Comércio, que é meu vice-presidente [Geraldo Alckmin]. Eu tenho o meu ministro das Relações Exteriores [Mauro Vieira] tentando conversar com os negociadores americanos, e ninguém consegue conversar porque eles não querem conversar.”
Curiosidade histórica: crises comerciais entre Brasil e EUA não são novidade. Já em 1906, o café brasileiro foi alvo de disputas tarifárias em Washington. Mais de um século depois, o tom mudou pouco: Brasília ainda enfrenta dificuldade em ser ouvida pelos norte-americanos quando interesses internos estão em jogo.
LIGAÇÃO NUNCA FEITA
Pressionado mais uma vez, Lula admitiu que jamais tentou fazer a ligação:
“Eu não tentei fazer chamada porque ele nunca quis conversar.”
A BBC então concluiu: “Então o senhor nunca tentou…”. E o presidente confirmou: “Nunca, nunca quis conversar”.
Ele explicou que o Brasil já acionou a OMC e que prepara medidas de reciprocidade contra os EUA. Para Lula, os americanos agem de forma unilateral, impondo decisões e obrigando os outros países a reagir.
RELAÇÃO PESSOAL COM TRUMP
Questionado sobre sua relação pessoal com Trump, Lula foi direto:
“Olha, não tem relação. Eu tive muita relação com todos os presidentes americanos (…) O Brasil não tem contencioso com nenhum país do mundo. O Brasil não tem contencioso e o Brasil não quer contencioso.”
A declaração, no entanto, contrasta com atritos recentes da diplomacia petista com Zelensky (Ucrânia), Netanyahu (Israel) e Javier Milei (Argentina).
Por fim, Lula rejeitou qualquer arrependimento por não ter construído pontes com Trump:
“O problema da soberania americana é um problema deles. (…) Eu não tenho nenhuma relação com o Trump, porque quando o Trump foi presidente da outra vez, eu não era presidente da República. Agora a relação dele é com o Bolsonaro, não é com o Brasil.”
Esse episódio revela não apenas o impasse comercial, mas também um choque de estilos: enquanto Trump é conhecido por ser direto e até impulsivo em negociações, Lula prefere se apoiar em ministros e organismos multilaterais. O detalhe curioso é que, em plena era da comunicação instantânea, a crise mais quente entre Brasil e EUA ficou resumida a uma frase curta e repetida: “eles não querem conversar”.
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