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INSS: Fraude em Minas Gerais desviava aposentadorias de agricultores humildes

As ações obtidas pelo Estado de Minas revelam o padrão do esquema.

INSS: Fraude em Minas Gerais desviava aposentadorias de agricultores humildes
INSS: Fraude em Minas Gerais desviava aposentadorias de agricultores humildes (Foto: Reprodução)

"Contribuição Contag". Era essa a identificação que aparecia nos contracheques de aposentados rurais de Minas Gerais, vítimas de um esquema duradouro de desvio de recursos do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), recentemente alvo de uma operação da Polícia Federal (PF). Os valores subtraídos variavam com o tempo, mas cerca de 400 ações judiciais, às quais o Estado de Minas teve acesso exclusivo, relatam que os descontos irregulares ocorrem desde 2007.


As ações judiciais apontam a Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag) como uma das responsáveis pelas cobranças indevidas. No entanto, documentos obtidos pela reportagem revelam a atuação direta da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais (Fetaemg), que possui 12 sedes regionais e cerca de 540 sindicatos afiliados. Uma das procuradoras da Contag mencionada nas ações é Delza Amaral Novais, assessora de Previdência e Habitação Rural da Fetaemg, onde trabalha há mais de dez anos. Um documento datado do fim do ano passado, obtido pelo Estado de Minas, confere plenos poderes a ela e a outros advogados para representar a Contag nos processos movidos pelos trabalhadores rurais, que também são representados pela Fetaemg por meio de seus sindicatos. O endereço da sede da Fetaemg, no Bairro Santa Efigênia, Região Leste de Belo Horizonte, consta nesse documento. A federação é presidida há quase 30 anos por Vilson Luiz da Silva (PSB), conhecido como Vilson da Fetaemg, ex-deputado estadual.

Segundo revelou o UOL, Vilson aparece em um vídeo gravado em novembro do ano passado orientando os aposentados a não procurarem os bancos em caso de descontos não autorizados, mas sim a solicitarem um extrato e buscarem orientação diretamente com seus sindicatos. “Se você perceber que no seu provento está tendo algum tipo de desconto que você não autorizou, peça um extrato ao gerente, ao funcionário do banco”, afirma ele na gravação. “Mas, não vai lá conversar com ele não. Vai lá conversar com seu sindicato”, completa.


Conforme demonstram os processos judiciais obtidos pela reportagem, eram subtraídos mensalmente, sem consentimento, 2% dos valores pagos a aposentados e pensionistas. Os sindicatos retinham 60% desse montante; a Fetaemg, 25%; e a Contag, 15%.


Homem forte


O nome de Evandro José Morello também aparece no documento. Ele integra o Conselho de Previdência do INSS e está autorizado a representar a Contag nas ações judiciais movidas pelos trabalhadores. Entre as responsabilidades do conselho, está o monitoramento e controle de pagamentos e descontos previdenciários.


A reportagem também teve acesso à ata de uma reunião ordinária do Conselho de Previdência Social em Contagem, Região Metropolitana de Belo Horizonte, na qual Delza representava a Fetaemg. A pauta era justificar as ações da entidade para combater fraudes denunciadas em encontros anteriores. O documento, de 2016, registra que ela relatou dificuldades para conter as irregularidades, já que a federação não possui poder de fiscalização. Ainda segundo a ata, ela afirmou que sindicatos do interior enfrentavam obstáculos para organizar assembleias com produtores, pois “os políticos da região também fazem parte de esquemas de fraudes”.


Apesar de ser a maior beneficiária dos descontos aplicados nos benefícios de trabalhadores rurais – com arrecadação de R$ 426 milhões em 2023, conforme a Controladoria-Geral da União – a Contag foi excluída, pela Advocacia-Geral da União (AGU), dos pedidos de bloqueio de recursos e de quebra de sigilo realizados pela PF na operação iniciada em abril.


Alvos preferenciais

As ações obtidas pelo Estado de Minas revelam o padrão do esquema. A Contag, a Fetaemg e os sindicatos filiados visavam principalmente trabalhadores rurais analfabetos ou com baixa escolaridade, que só percebiam os descontos meses após seu início. Para viabilizar as cobranças junto ao INSS, as entidades recorriam a diferentes artifícios – como a falsificação de assinaturas ou até mesmo de impressões digitais.

Um exemplo é o da agricultora aposentada Maria dos Anjos Cardoso, de Bocaiúva, no Norte de Minas. Entre outubro de 2017 e janeiro deste ano, ela teve R$ 4.510 retirados de sua conta por meio de 76 descontos identificados como "Contribuição Contag". No processo, ela nega ter autorizado tais descontos, alegação reconhecida pela Justiça. "Eles juntaram, no processo, um termo de filiação (ao sindicato) e um termo de autorização dos descontos. Só que nós impugnamos essas assinaturas. Foi reconhecido pelo juiz que as assinaturas eram inválidas", explica o advogado Bruno Gabriel Lopes, do escritório Lopes Advocacia, responsável pela ação.


Crescimento dos casos

O advogado afirma que casos como o de Maria dos Anjos têm se tornado frequentes. “Tenho clientes que tiveram desconto de suas aposentadorias por uma suposta filiação a entidades representativas de pescadores, mas sequer trabalham com pesca”, relata Lopes.


No caso de Maria dos Anjos, o processo está na fase de execução da sentença. Além da devolução do valor com juros de 1% ao mês e correção monetária, ela receberá R$ 23.750 por danos morais. Embora uma decisão anterior tenha fixado a indenização em R$ 2 mil, o valor foi ampliado após recurso.

Outro caso ocorreu em Vargem Grande do Rio Pardo, município com cerca de 4.600 habitantes, também no Norte de Minas. O produtor rural José Pereira da Silva foi vítima de descontos mensais de até R$ 28,24 desde 2010. Assim como nos outros casos, o valor representava 2% do salário mínimo da época, começando por R$ 10,20.

“É um trabalhador rural que viveu no campo a vida inteira. É uma pessoa sofrida, muito humilde e que apenas assina o nome. Eu já resolvi outros casos semelhantes, por isso ele chegou até a mim. Entramos com a ação à época, mas nunca imaginávamos que era um esquema tão grande quanto esse”, conta o advogado Willian Oliveira.


"Tenho clientes que tiveram desconto de suas aposentadorias por uma suposta filiação a entidades representativas de pescadores, mas sequer trabalham com pesca"

— Bruno Gabriel Lopes, advogado responsável por ações contra a Contag

A reportagem do Estado de Minas identificou dezenas de relatos semelhantes aos de Maria dos Anjos e José Pereira da Silva. As decisões judiciais, no entanto, variam: em algumas, a Justiça determina apenas a restituição dos valores corrigidos; em outras, há condenação à devolução em dobro, além de indenização por danos morais.


Há também casos em que o aposentado foi condenado a arcar com os custos do processo, sob o argumento de que a autorização para o desconto teria sido assinada. Essas autorizações são fornecidas por sindicatos filiados à Fetaemg, que, por sua vez, é vinculada à Contag. Para aposentados analfabetos, é exigida apenas a impressão digital, o que facilita a ocorrência de fraudes.


*As informações são do Estado de Minas

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